sábado, 12 de dezembro de 2009

O Alicerce das Coisas - Experiências radicais

Nos dois escritos, de um marginal e de uma monja, conta-se um marcante e surpreendente encontro com Deus.
Foram lançados há dias dois livros com relatos de experiências radicais. O desafio de escrever o prefácio fez-me conhecer estas obras, apenas unidas pela vivacidade narrativa, tão ao gosto da cultura actual. Nos dois escritos, de um marginal e de uma monja, conta-se um marcante e surpreendente encontro com Deus.
Um marginal, com excelente 'curriculum', escreve 'Quero que sejas o meu Pai: do grande banditismo à fé' (Ed. Paulinas). A vida do francês Jacky Van Thuyne inicia como menino de rua, abandonado a si próprio, com pai violento e mãe depressiva, passa por casamento que termina em divórcio e acaba na cadeia, cansado de lutar, joguete sem liberdade. Não tem por perto ninguém com força moral. Um dia, graças a uma 'pancada no capacete', começa a falar de Deus e opera-se uma renovação do coração. Descobre, aos 37 anos, o sentido da vida na prisão. Hoje trabalha com ex-reclusos, com enormes carências interiores e forte sensação de vazio. Ele percebe vitalmente o que leva seres humanos a 'chegar a morder a mão de quem os alimenta'. Estamos perante um mergulho na marginalidade acompanhados por uma descrição carregada de profunda humanidade, uma colecção apaixonante de histórias urdidas pela maldade e pela bondade humanas.
O título, que nasce de um pedido de um recluso de 26 anos ao Autor: 'Quero que sejas o meu pai', revela a força dos laços familiares ausentes em tantas vidas entregues à delinquência. Descobre-se que a grande deficiência é não saber amar.
A outra obra, escrita pela monja residente no Mosteiro da Visitação de Vila das Aves, Raquel Silva, intitula-se ‘Atracção Irresistível’ ( Ed. Tenacitas, de Coimbra). Desvela um estilo de vida, um caso de adesão livre a uma radicalidade feliz e serena. A narrativa corre fluente na simplicidade da escrita e na amabilidade de interpelação espiritual dirigida ao leitor. Estão subjacentes as objecções que tantos colocam à vida monástica. A centralidade e o primado de Deus assumem, na vida contemplativa, uma resposta radical.
Há um particular realce nesta obra ao modo de encarar a crueldade do sofrimento. A reacção cristã, contada na primeira pessoa, irmana o leitor e questiona o primarismo de muitos comportamentos que facilmente nos movem em situações semelhantes. Acolher a experiência do sofrimento ao jeito cristão, com simplicidade de coração e coragem, em união a Cristo e em comunhão orante da Igreja, aparece como caminho a percorrer. O contacto com esta atraente narrativa interrogará muitas pessoas sobre o sentido profundo da vida contemplativa.


D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa

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