quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O Natal do outro lado da liberdade

Estamos dentro de uma Prisão.
Nas cadeias há pessoas… e são gente: têm família, têm coração, sentimentos, sonhos; pessoas que têm uma consciência que também fala; há lá dentro mulheres que são Mães, homens que são Pais, rapazes e moças que têm cá fora o namorado ou o noivo, separados pelas grades de ferro, bem feitas, para não poderem ser derrubadas nem ultrapassadas...
As cadeias são casas onde habitam pessoas: como nós; iguais a toda a gente; que foram crianças que brincaram felizes na sua infância; que tiveram um colo e riram e choraram ao lado de pessoas que amaram; foram crianças que sonharam outra coisa para o seu futuro; sobre elas pairaram desejos e ambições das Mães, que sempre sonham as mais belas realizações para seus filhos; crianças que correram para as prendas em dia de Natal!
Nas Prisões estão pessoas que também acreditaram que as presentes de Natal vinham de um amigo, mais ou menos desconhecido; receberam presentes, envolvidos na fantasia que estas coisas sempre comportam, na “magia” que o Natal oferece.
Dentro da Cadeia, como fora dela, estão recordações e saudades, que nem sempre deixam livres de emoções quem delas guarda memórias e recorda, com um peso muito especial, quando se está onde circunstâncias forçam uma estadia não sonhada, nem desejada, nem programada.
Como é o Natal de um Recluso?
Para poupar dores e evitar emoções, não vai falar sobre isso um Preso… Falo eu, que nem sei imaginar o que seja uma daquelas situações; direi, certamente, coisas sem jeito, que espero não ofendam os meus amigos Reclusos, espalhados por tantos dos Estabelecimentos Prisionais do nosso País.
Mas para haver confronto sobre um Natal na Prisão, eu terei de saber o que é um Natal fora da Prisão! E eu não sei muito bem…
Então, se dissermos que o Natal, deste lado da liberdade, é festa da Família, dos presentes, das compras, do frenesim e das corridas à loja, que é a iluminação da rua e da avenida, a festa do convívio, o tempo da viagem para a terra, o dia da roupa nova… então o Natal do Preso tem pouco disso.
Mas se o Natal for tempo de encontro, de silêncio, de diálogo, de oração; se for um Natal de Fé e de profundas e duradouras emoções, então um Natal assim pode existir em toda a parte e em todo o lugar; também numa Cadeia.
Se o Natal fosse a ocasião preparada para ser vivido na Paz criada, carregado de gestos de verdadeira fraternidade, por momentos de renovada e fresca fraternidade, pela autêntica partilha de vida e de bens, pelo esforço de ultrapassar escravaturas e egoísmos tentadores; um Natal de liberdade e de libertação, que ajudasse a recriar no mundo o sentido da serenidade,
da esperança, da concórdia, da fraternidade, da paz… este seria o Natal que todos queremos e verdadeiramente sonhamos; este é o Natal que se deseja sempre, ano após ano; e que assim vivido e preparado, nunca perderia a sua força, a sua frescura, a sua novidade… Este Natal também tem espaço nas Cadeias! É possível também numa Prisão!
Um recluso é uma pessoa que vive, com particular sofrimento, a solidão de horas, dias, e anos. Aliviar este peso, é tarefa de Assistentes espirituais e religiosos, é tarefa de Colaboradores e de Voluntários que, quanto possível, reforçam nestes dias.
No Natal redobramos os presentes, as presenças, as festas, as celebrações, os contactos com as famílias… tudo e o muito que o coração sugira e as circunstâncias permitam.
É muito interessante entrar nas nossas Cadeias em tempo de Natal! Não faltam os enfeites, as luzes, os presépios; em salas e gabinetes há motivos natalícios! E também não faltam aqueles doces que só têm sabor nesta quadra: o bolo-rei, as rabanadas… porque há gente deste lado da liberdade que pensa e dedica muito do seu tempo, dos seus bens e, sobretudo, do seu coração, para que a aproximação da reclusão esteja cada vez mais perto da Liberdade.
Com as mãos dadas, o sofrimento é aliviado, e o Natal adquire o seu mais verdadeiro significado: porque é Natal, quando as pessoas estão mais perto e se ajudam em laços de Esperança e de Fraternidade.
Nas Prisões, também há Natal!

Pe. João Gonçalves

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